Imaginemos um município como um vasto teatro onde os vereadores são os protagonistas. Nesse palco, alguns indivíduos, após anos no mesmo papel, começam a ser elevados a um status quase divino por seus apoiadores, como se fossem ídolos da política local. Seguindo as ideias de David Hume, podemos analisar esse fenômeno através das fases do pensamento: adoração aos ídolos, impressões e ideias, concepção do eu e moral.
Nos estágios iniciais, a adoração aos ídolos políticos surge com uma combinação de respeito e esperança. Os vereadores com mais de um mandato, por vezes, são elevados a uma posição de quase reverência por seus apoiadores. Eles são vistos como salvadores, líderes indispensáveis que garantem estabilidade e continuidade. Essa adoração é frequentemente alimentada por uma comunicação que reforça a imagem do vereador como uma figura quase mítica, cujo papel transcende a política ordinária. No entanto, essa adoração é superficial e muitas vezes desprovida de uma análise crítica real do impacto de suas ações.
Hume faz uma distinção entre impressões e ideias, onde as impressões são percepções imediatas e vívidas, enquanto as ideias são cópias dessas impressões, menos intensas. A percepção imediata dos eleitores pode ser que o vereador está fazendo um bom trabalho, e essa impressão é frequentemente reforçada por uma comunicação que destaca realizações parciais e ignora falhas ou impactos negativos. No entanto, as ideias que formam a base da adoração, como a crença na indispensabilidade e competência contínua do vereador, podem ser baseadas em uma compreensão limitada ou desatualizada da realidade política e administrativa.
A concepção do eu, segundo Hume, é uma construção fluida e dinâmica, moldada pela experiência e pela interação com o mundo. Vereadores com múltiplos mandatos podem desenvolver uma percepção distorcida de si mesmos como indispensáveis, levando a uma crença exagerada em sua própria competência e a um sentimento de direito ao cargo. Esse ego inflado pode criar uma desconexão entre a percepção interna do vereador e a realidade externa, onde a autoimagem de competência e importância pode não corresponder às necessidades reais do município.
Finalmente, a moralidade entra em cena quando começamos a refletir sobre as implicações da perpetuação no cargo. A longo prazo, a presença constante de um mesmo vereador pode ser prejudicial ao município. A falta de renovação e a concentração de poder podem levar a uma estagnação nas políticas e à falta de inovação. Além disso, a perpetuação pode criar um ambiente onde interesses pessoais e de grupo prevalecem sobre o bem comum. O verdadeiro teste moral é considerar se essa permanência no cargo está beneficiando a comunidade de forma justa e eficaz, ou se está apenas satisfazendo interesses pessoais e promovendo uma forma disfarçada de clientelismo.
Assim, seguindo a reflexão de Hume, podemos concluir que a adoração aos ídolos políticos e a percepção distorcida do eu, sustentada por impressões imediatas e ideias enviesadas, pode ter um impacto negativo significativo. A perpetuação de vereadores no poder, sem a devida renovação e crítica, pode levar a um enfraquecimento das instituições democráticas e ao comprometimento da eficácia administrativa. Portanto, a moralidade política nos impõe a responsabilidade de questionar e avaliar continuamente a validade e a justiça da permanência prolongada no cargo, garantindo que o verdadeiro objetivo seja sempre o bem-estar do município e a melhoria constante da administração pública.